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domingo, 30 de agosto de 2009

Interessante extracto de carta de Van Gogh (1853-1890) ao seu irmão Theo

Leia com atenção. Não se afaste pelo facto de o texto parecer compacto e maçudo. Para mim é apaixonante.

“Não sei se alguém já falou à minha frente da cor sugestiva. Dar-te-ei um exemplo: eu vou fazer um retrato de um amigo, um artista, um sonhador. – Este homem será louro e eu desejo reproduzir no quadro toda a minha admiração, todo o amor que tenho por ele. Começarei portanto por pintá-lo como ele é. Tão fiel quanto possível. Mas o quadro não fica pronto ainda. Para o acabar, vou tornar-me num colorista arbitrário: exagero o louro dos cabelos e chego aos tons laranja, ao amarelo-cromo, à cor de limão clara. Por detrás da cabeça pinto, em vez da habitual parede de um quarto vulgar, o infinito. Faço um fundo do azul mais forte de que sou capaz e assim, a cabeça loura e luminosa sobre o plano de fundo, recebe da riqueza do azul um efeito místico, como uma estrela no azul profundo do céu.

E agora analise em paralelo a figura e o texto que se seguem:

O café à noite na Place Lamartine

Vincent Van Gogh, 1888

Óleo sobre tela (70 x 89 cm)

Tenho dois novos modelos, uma mulher de Arles e um velho camponês. Desta vez pinto-os sobre um fundo de laranja vivo. Embora eu não queira simular um pôr do Sol, o resultado é, no entanto, a sugestão de uma sensação do mesmo. O amor entre os dois seres deve exprimir-se pela conjugação de duas cores complementares, pela sua mistura, pela sua complementaridade e pela misteriosa vibração de tons afins. Tentei [no quadro “Café à noite”] com o vermelho e com o verde exprimir a terrível paixão dos homens. – É uma cor que não é literalmente verdadeira, do ponto de vista do realismo, é uma ilusão óptica, mas é uma cor sugestiva que exprime a emoção de um sentimento ardente. Tentei exprimir que o café é um local onde uma pessoa fica enlouquecida e pode tornar-se criminosa. Tentei isso pelo contraste do rosa-suave com vermelho-rútilo e um vermelho escuro cor de vinho; por um verde suave e um verde- Venorese, que contrastam com um verde-amarelo e um severo verde-cinzento. Tudo isso exprime a atmosfera de um mundo subterrâneo incandescente, um pálido sofrimento, a escuridão que domina por sobre tudo aquilo que dorme”

HESS, Walter, Documentos para a compreensão da pintura moderna, Lisboa, Edições “Livros do Brasil”, 2001, pág 52-53.


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